O conhecimento
Dá-se o nome de conhecimento à relação que se estabelece entre um sujeito cognoscente (ou uma consciência) e um objeto. Assim, todo conhecimento pressupõe dois elementos: o sujeito que quer conhecer e o objeto a ser conhecido, que se apresentam frente a frente, dentro de uma relação. Isso equivale a dizer que o conhecimento é o ato, o processo pelo qual o sujeito se coloca no mundo e, com ele, estabelece uma ligação. Por outro lado, o mundo é o que torna possível o conhecimento ao se oferecer a um sujeito apto a conhecê-lo. Só há saber para o sujeito cognoscente se houver um mundo a conhecer, mundo este do qual ele é parte, uma vez que o próprio sujeito pode ser objeto de conhecimento.
Por extensão, dá-se também o nome de conhecimento ao saber acumulado pelo homem através das gerações. Nessa acepção, estamos tratando o conhecimento como produto da relação sujeito-objeto, produto que pode ser empregado e transmitido.
O conhecimento pode ser concreto, quando o sujeito estabelece uma relação com um objeto individual. Por exemplo, o conhecimento que temos de um amigo determinado, com todas as suas características individuais. E pode ser abstrato, quando estabelece uma relação com um objeto geral, universal. Por exemplo, o conhecimento que temos de homem, como gênero.
No processo de abstração, o conceito torna-se mais extenso à medida que o conteúdo intuível (imediato) se torna mais pobre. O conceito de homem, por exemplo, é muito mais extenso que o conceito de amigo, porque o primeiro recobre todo o gênero humano, incluindo homens e mulheres, jovens e velhos, amigos ou não. Além disso, o conteúdo passível de ser apreendido pela intuição sensível (conhecimento direto pelos sentidos) esvazia-se, uma vez que o conceito de homem "não tem cara, nem sexo, nem idade, nem cor, nem características de personalidade" definidas.
Assim, se de um lado o conhecimento abstrato nos ajuda a organizar e compreender um número imenso de acontecimentos, por outro ele nos afasta da realidade concreta. O verdadeiro conhecimento se dá dentro do processo dialético de ida e vinda do concreto para o abstrato, processo esse que jamais tem fim e que vai revelando o mundo humano na sua riqueza e diversidade.
Devemos, ainda, ressaltar que a relação de conhecimento implica uma transformação tanto do sujeito quanto do objeto. O sujeito se transforma mediante o novo saber, e o objeto também se transforma, pois o conhecimento lhe dá sentido.
Modos de conhecer o mundo
Há muitos modos de se conhecer o mundo, que dependem da postura do sujeito frente ao objeto de conhecimento: o mito, o senso comum, a ciência, a filosofia e a arte.
Todos eles são formas de conhecimento, pois cada um, a seu modo, desvenda os segredos do mundo, atribuindo-lhe um sentido.
O mito proporciona um conhecimento que é mágico porque ainda vem permeado pelo desejo de atrair o bem e afastar o mal, dando segurança e conforto ao homem.
O senso comum ou conhecimento espontâneo é a primeira compreensão do mundo resultante da herança do grupo a que pertencemos e das experiências atuais que continuam sendo efetuadas.
A ciência, procurando descobrir o funcionamento da natureza através, principalmente, das relações de causa e efeito, busca o conhecimento objetivo (isto é, fundado sobre as características do objeto, com interferência mínima do sujeito), lógico, através de métodos desenvolvidos para manter a coerência interna de suas afirmações. A aplicação da ciência resulta no conhecimento tecnológico.
A filosofia, por sua vez, propõe-se oferecer um tipo de conhecimento que busca, com todo o rigor, a origem dos problemas, relacionando-os a outros aspectos da vida humana, numa abordagem globalizante.
Já o conhecimento proporcionado pela arte nos dá não o conhecimento de um objeto, mas de um mundo, interpretado pela sensibilidade do artista e traduzido numa obra individual que, pelas suas qualidades estéticas, recupera o vivido e nos reaproxima do concreto.
O senso comum: o saber de todos nós
Ao considerar o conhecimento no sentido mais amplo possível, percebemos que ele se faz no enfrentamento contínuo das dificuldades que desafiam o Homem. E, como tal, não é fruto exclusivo da razão, mas também dos sentidos, da memória, do hábito, da imaginação, das crenças e desejos.
Chamamos senso comum (ou conhecimento espontâneo, ou conhecimento vulgar) a essa primeira compreensão do mundo resultante da herança fecunda de um grupo social e das experiências atuais que continuam sendo efetuadas. Pelo senso comum, fazemos julgamentos, estabelecemos projetos de vida, adquirimos convicções e confiança para agir.
O senso comum, sendo a interpretação do mundo em que vivemos, dá-nos condições de operar sobre ele, ao mesmo tempo que nos orienta na busca do sentido da existência.
No entanto, o senso comum não é refletido; impõe-se sem críticas ao grupo social. Por ser um conjunto de concepções fragmentadas, muitas vezes incoerentes, condiciona a aceitação mecânica e passiva de valores não-questionados. Com freqüência se torna fonte de preconceitos, quando desconsidera opiniões divergentes.
Por isso é preciso encontrar formas que possibilitem a passagem do senso comum para o bom senso, este entendido como elaboração coerente do saber e como explicitação das intenções conscientes dos indivíduos livres. Nessa perspectiva, o homem de bom senso é ativo, capaz de reflexão e dono de si mesmo. Recebida a herança cultural pelo senso comum, reelabora sua concepção considerando a realidade concreta que precisa interpretar e transformar.
O bom senso tem sua especificidade e vale enquanto forma vigorosa de orientação vital para todos os homens. Por isso não podemos considerá-lo um saber menor ou sequer inferior a formas mais rigorosas ou eficazes de conhecimento, como, por exemplo, a ciência. Mesmo o cientista recorrerá ao bom senso nos inúmeros campos não-abarcados pelo seu saber especializado.
Enquanto o senso comum tende à rigidez, o bom senso é flexível, dinâmico, absorvendo com discernimento as influências mais diversas. Por exemplo, quando foi constatado pelos teóricos do heliocentrismo que a Terra não era o centro do universo, coube ao bom senso repudiar as evidências dos sentidos que indicavam justamente o contrário!
Por outro lado, o bom senso resiste sabiamente à aceitação cega das determinações alheias, ainda que venham de especialistas de qualquer natureza. Por exemplo, mesmo que não entendamos de medicina, precisamos estar informados a propósito do tratamento a ser aplicado, como também podemos discutir questões referentes à ética médica. E, ainda que não sejamos economistas, podemos questionar os efeitos do plano econômico que visa combater a inflação mediante arrocho salarial.
É necessário que desmistifiquemos a tendência a cultuar as pessoas "estudadas" em detrimento do homem "sem-letras" ou simplesmente não-especialista. Qualquer homem, se não foi ferido em sua liberdade e dignidade e teve ocasião de desenvolver a habilidade crítica, será capaz de autoconscientizar-se e de analisar adequadamente a situação em que vive.
No entanto, a passagem do senso comum para o bom senso não se faz espontaneamente, e podemos constatar que nem sempre ocorre de fato.
O que é o mito
O mito, entre os povos primitivos, é uma forma de se situar no mundo, isto é, de encontrar o seu lugar entre os demais seres da natureza. E um modo ingênuo, fantasioso, anterior a toda reflexão e não-crítico de estabelecer algumas verdades que não só explicam parte dos fenômenos naturais ou mesmo a construção cultural, mas que dão, também, as formas da ação humana. Devemos salientar, entretanto, que, não sendo teórica, a verdade do mito não obedece a lógica nem da verdade empírica, nem da verdade científica. É verdade intuída, que não necessita de provas para ser aceita.
O mito nasce do desejo de dominação do mundo, para afugentar o medo e a insegurança. O homem, à mercê das forças naturais, que são assustadoras, passa a emprestar-lhes qualidades emocionais. As coisas não são mais matéria morta, nem são independentes do sujeito que as percebe. Ao contrário, estão sempre impregnadas de qualidades e são boas ou más, amigas ou inimigas, familiares ou sobrenaturais, fascinantes e atraentes ou ameaçadoras e repelentes. Assim, o homem se move dentro de um mundo animado por forças que ele precisa agradar para que haja caça abundante, para que a terra seja fértil, para que a tribo ou grupo seja protegido, para que as crianças nasçam e os mortos possam ir em paz.
O pensamento mítico está, então, muito ligado à magia, ao desejo, ao querer que as coisas aconteçam de um determinado modo. É a partir disso que se desenvolvem os rituais como meios de propiciar os acontecimentos desejados. O ritual é o mito tomado ação.
Os exemplos são inúmeros: já nas cavernas de Lascaux e Altamira, o homem do Paleolítico (10000 a 5000 a.C.) desenhava os animais, dentro de um estilo muito realista, e depois "atacava-os" com flechas, para garantir o êxito da caçada. Os ritos de nascimento e de morte é que vão dar ao recém-nascido um reconhecimento como ser vivo, pertencente a uma determinada sociedade; ou, ao defunto, a mudança de seu estatuto ontológico (de ser vivo a ser morto) e a aceitação pela comunidade dos mortos. Outro exemplo é o da expulsão de uma comunidade: uma vez realizados os ritos, a pessoa expulsa não precisa sair da comunidade, pois todos os outros integrantes passarão a não vê-la, não ouvi-la, enfim, a agir como se não existisse ou não estivesse presente. Para a comunidade, terminado o ritual, a pessoa expulsa desapareceu simbolicamente, mesmo que continue de corpo presente. E essa exclusão social acaba, em geral, levando à morte.
(Textos retirados do livro de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins. Temas de Filosofia. Moderna. 1997.)
Possibilidade do Conhecimento
1 - Dogmatismo
2 - Ceticismo
2 - Ceticismo
Por dogmatismo (do grego dogma, doutrina estabelecida) entendemos a posição epistemológica para a qual o problema do conhecimento não chega a ser levantado. O fato de que, para o dogmatismo, o conhecimento não chega a ser um problema, repousa sobre, uma visão errônea da essência do conhecimento. Ao contrário, acredita que os objetos de conhecimento nos são dados como tais, e não pela função mediadora do conhecimento (e apenas por ela). A primeira forma de dogmatismo diz respeito ao conhecimento teórico; as duas últimas, ao conhecimento dos valores. O dogmatismo ético lida com o conhecimento moral; o religioso, com o conhecimento religioso. As reflexões epistemológicas estão, de modo geral, afastadas do pensamento dos pré-socráticos (os filósofos jônios da natureza, os eleatas, Heráclito, os pitagóricos). Dogmatismo, para eles, é fazer metafísica sem ter antes examinado a capacidade da razão humana.
O conhecimento como apreensão efetiva do objeto seria, segundo ele, impossível. Se se referir apenas ao conhecimento metafísico, falaremos de ceticismo metafísico. Com respeito ao campo dos valores, distinguimos o ceticismo ético do ceticismo religioso. Finalmente, cabe distinguir ainda o ceticismo metódico do sistemático. A apreensão do objeto é vedada à consciência cognoscente. Não há conhecimento. Isso representa uma negação das leis lógicas do pensamento, em especial do princípio de contradição. Como não há juízo ou conhecimento verdadeiro, Pirro recomenda a suspensão do juízo, aepokhé. Um conhecimento no sentido estrito, segundo eles, é impossível. O ceticismo também pode ser encontrado na filosofia moderna. No filósofo francês Montaigne (1592), deparamos com um ceticismo, sobretudo ético; em Hume, com um ceticismo metafísico. Em Bayletampouco encontraremos um ceticismo no sentido de Pirro, mas, no máximo, no sentido do ceticismo médio. Também aqui, porém, há um conhecimento sendo expresso, a saber, o conhecimento de que é duvidoso que haja conhecimento. A aspiração ao conhecimento da verdade é, do ponto de vista do ceticismo estrito, desprovida de sentido e de valor. Nossa consciência ética dos valores, porém, protesta contra essa concepção. Não podemos afirmar o mesmo do ceticismo especial. O ceticismo metafísico, que nega a possibilidade do conhecimento do supra-sensível, pode ser falso, mas não contém nenhuma contradição interna. Na história da filosofia, o ceticismo aparece como antípoda ao dogmatismo.
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