Conteúdos do 2º ano

O conhecimento

Dá-se o nome de conhecimento à re­lação que se estabelece entre um sujei­to cognoscente (ou uma consciência) e um objeto. Assim, todo conhecimento pressupõe dois elementos: o sujeito que quer conhecer e o objeto a ser conheci­do, que se apresentam frente a frente, dentro de uma relação. Isso equivale a dizer que o conhecimento é o ato, o processo pelo qual o sujeito se coloca no mundo e, com ele, estabelece uma ligação. Por outro lado, o mundo é o que torna possível o conhecimento ao se oferecer a um sujeito apto a conhecê-lo. Só há saber para o sujeito cognos­cente se houver um mundo a conhecer, mundo este do qual ele é parte, uma vez que o próprio sujeito pode ser ob­jeto de conhecimento.

Por extensão, dá-se também o nome de conhecimento ao saber acumulado pelo homem através das gerações. Nes­sa acepção, estamos tratando o conhe­cimento como produto da relação sujeito-objeto, produto que pode ser em­pregado e transmitido.

O conhecimento pode ser concreto, quando o sujeito estabelece uma rela­ção com um objeto individual. Por exemplo, o conhecimento que temos de um amigo determinado, com todas as suas características individuais. E po­de ser abstrato, quando estabelece uma relação com um objeto geral, universal. Por exemplo, o conhecimento que te­mos de homem, como gênero.


No processo de abstração, o concei­to torna-se mais extenso à medida que o conteúdo intuível (imediato) se tor­na mais pobre. O conceito de homem, por exemplo, é muito mais extenso que o conceito de amigo, porque o primeiro recobre todo o gênero humano, in­cluindo homens e mulheres, jovens e velhos, amigos ou não. Além disso, o conteúdo passível de ser apreendido pela intuição sensível (conhecimento di­reto pelos sentidos) esvazia-se, uma vez que o conceito de homem "não tem ca­ra, nem sexo, nem idade, nem cor, nem características de personalidade" defi­nidas.

Assim, se de um lado o conhecimen­to abstrato nos ajuda a organizar e com­preender um número imenso de acon­tecimentos, por outro ele nos afasta da realidade concreta. O verdadeiro co­nhecimento se dá dentro do processo dialético de ida e vinda do concreto pa­ra o abstrato, processo esse que jamais tem fim e que vai revelando o mundo humano na sua riqueza e diversidade.

Devemos, ainda, ressaltar que a re­lação de conhecimento implica uma transformação tanto do sujeito quanto do objeto. O sujeito se transforma median­te o novo saber, e o objeto também se transforma, pois o conhecimento lhe dá sentido.


Modos de conhecer o mundo


Há muitos modos de se conhecer o mundo, que dependem da postura do sujeito frente ao objeto de conhecimen­to: o mito, o senso comum, a ciência, a filosofia e a arte.


Todos eles são formas de conheci­mento, pois cada um, a seu modo, des­venda os segredos do mundo, atribuin­do-lhe um sentido.

O mito proporciona um conhecimen­to que é mágico porque ainda vem per­meado pelo desejo de atrair o bem e afastar o mal, dando segurança e con­forto ao homem.

O senso comum ou conhecimento espontâneo é a primeira compreensão do mundo resultante da herança do grupo a que pertencemos e das expe­riências atuais que continuam sendo efetuadas.

A ciência, procurando descobrir o funcionamento da natureza através, principalmente, das relações de causa e efeito, busca o conhecimento objeti­vo (isto é, fundado sobre as caracterís­ticas do objeto, com interferência míni­ma do sujeito), lógico, através de mé­todos desenvolvidos para manter a coe­rência interna de suas afirmações. A aplicação da ciência resulta no conhe­cimento tecnológico.

A filosofia, por sua vez, propõe-se oferecer um tipo de conhecimento que busca, com todo o rigor, a origem dos problemas, relacionando-os a outros as­pectos da vida humana, numa aborda­gem globalizante.

Já o conhecimento proporcionado pela arte nos dá não o conhecimento de um objeto, mas de um mundo, in­terpretado pela sensibilidade do artis­ta e traduzido numa obra individual que, pelas suas qualidades estéticas, recupera o vivido e nos reaproxima do concreto.


O senso comum: o saber de todos nós

Ao considerar o conhecimento no sentido mais amplo possível, percebe­mos que ele se faz no enfrentamento contínuo das dificuldades que desafiam o Homem. E, como tal, não é fruto ex­clusivo da razão, mas também dos sen­tidos, da memória, do hábito, da ima­ginação, das crenças e desejos.

Chamamos senso comum (ou co­nhecimento espontâneo, ou conheci­mento vulgar) a essa primeira com­preensão do mundo resultante da he­rança fecunda de um grupo social e das experiências atuais que conti­nuam sendo efetuadas. Pelo senso co­mum, fazemos julgamentos, estabe­lecemos projetos de vida, adquirimos convicções e confiança para agir.

O senso comum, sendo a interpre­tação do mundo em que vivemos, dá-nos condições de operar sobre ele, ao mesmo tempo que nos orienta na bus­ca do sentido da existência.

No entanto, o senso comum não é re­fletido; impõe-se sem críticas ao grupo social. Por ser um conjunto de concep­ções fragmentadas, muitas vezes incoe­rentes, condiciona a aceitação mecâni­ca e passiva de valores não-questionados. Com freqüência se torna fonte de preconceitos, quando desconsidera opi­niões divergentes.

Por isso é preciso encontrar formas que possibilitem a passagem do senso comum para o bom senso, este entendi­do como elaboração coerente do saber e como explicitação das intenções cons­cientes dos indivíduos livres. Nessa perspectiva, o homem de bom senso é ativo, capaz de reflexão e dono de si mesmo. Recebida a herança cultural pe­lo senso comum, reelabora sua concepção considerando a realidade concreta que precisa interpretar e transformar.

O bom senso tem sua especificidade e vale enquanto forma vigorosa de orientação vital para todos os homens. Por isso não podemos considerá-lo um saber menor ou sequer inferior a formas mais rigorosas ou eficazes de conheci­mento, como, por exemplo, a ciência. Mesmo o cientista recorrerá ao bom senso nos inúmeros campos não-abarcados pelo seu saber especializado.

Enquanto o senso comum tende à ri­gidez, o bom senso é flexível, dinâmi­co, absorvendo com discernimento as influências mais diversas. Por exemplo, quando foi constatado pelos teóricos do heliocentrismo que a Terra não era o centro do universo, coube ao bom sen­so repudiar as evidências dos sentidos que indicavam justamente o contrário!

Por outro lado, o bom senso resiste sabiamente à aceitação cega das deter­minações alheias, ainda que venham de especialistas de qualquer natureza. Por exemplo, mesmo que não entendamos de medicina, precisamos estar informa­dos a propósito do tratamento a ser aplicado, como também podemos dis­cutir questões referentes à ética médi­ca. E, ainda que não sejamos economis­tas, podemos questionar os efeitos do plano econômico que visa combater a inflação mediante arrocho salarial.

É necessário que desmistifiquemos a tendência a cultuar as pessoas "es­tudadas" em detrimento do homem "sem-letras" ou simplesmente não-especialista. Qualquer homem, se não foi ferido em sua liberdade e dignida­de e teve ocasião de desenvolver a ha­bilidade crítica, será capaz de autoconscientizar-se e de analisar adequadamen­te a situação em que vive.

No entanto, a passagem do senso co­mum para o bom senso não se faz es­pontaneamente, e podemos constatar que nem sempre ocorre de fato.


O que é o mito

O mito, entre os povos primitivos, é uma forma de se situar no mundo, is­to é, de encontrar o seu lugar entre os demais seres da natureza. E um modo ingênuo, fantasioso, anterior a toda re­flexão e não-crítico de estabelecer algu­mas verdades que não só explicam par­te dos fenômenos naturais ou mesmo a construção cultural, mas que dão, também, as formas da ação humana. Devemos salientar, entretanto, que, não sendo teórica, a verdade do mito não obedece a lógica nem da verdade empírica, nem da verdade científica. É verdade intuída, que não necessita de provas para ser aceita.

O mito nasce do desejo de domina­ção do mundo, para afugentar o medo e a insegurança. O homem, à mercê das forças naturais, que são assustadoras, passa a emprestar-lhes qualidades emo­cionais. As coisas não são mais matéria morta, nem são independentes do sujeito que as percebe. Ao contrário, es­tão sempre impregnadas de qualidades e são boas ou más, amigas ou inimigas, familiares ou sobrenaturais, fascinantes e atraentes ou ameaçadoras e repelen­tes. Assim, o homem se move dentro de um mundo animado por forças que ele precisa agradar para que haja caça abundante, para que a terra seja fértil, para que a tribo ou grupo seja protegi­do, para que as crianças nasçam e os mortos possam ir em paz.

O pensamento mítico está, então, muito ligado à magia, ao desejo, ao querer que as coisas aconteçam de um determinado modo. É a partir disso que se desenvolvem os rituais como meios de propiciar os acontecimentos deseja­dos. O ritual é o mito tomado ação.

Os exemplos são inúmeros: já nas ca­vernas de Lascaux e Altamira, o ho­mem do Paleolítico (10000 a 5000 a.C.) desenhava os animais, dentro de um estilo muito realista, e depois "atacava-os" com flechas, para garantir o êxito da caçada. Os ritos de nascimento e de morte é que vão dar ao recém-nascido um reconhecimento como ser vivo, per­tencente a uma determinada socieda­de; ou, ao defunto, a mudança de seu estatuto ontológico (de ser vivo a ser morto) e a aceitação pela comunidade dos mortos. Outro exemplo é o da ex­pulsão de uma comunidade: uma vez realizados os ritos, a pessoa expulsa não precisa sair da comunidade, pois todos os outros integrantes passarão a não vê-la, não ouvi-la, enfim, a agir como se não existisse ou não estivesse presen­te. Para a comunidade, terminado o ri­tual, a pessoa expulsa desapareceu simbolicamente, mesmo que continue de corpo presente. E essa exclusão social acaba, em geral, levando à morte.


(Textos retirados do livro de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins. Temas de Filosofia. Moderna. 1997.)


Possibilidade do Conhecimento      1 - Dogmatismo
     2 - Ceticismo
     Por dogmatismo (do grego dogma, doutrina estabele­cida) entendemos a posição epistemológica para a qual o problema do conhecimento não chega a ser levantado. O fato de que, para o dogmatismo, o conhecimento não chega a ser um problema, repousa sobre, uma visão errônea da essência do conhecimento. Ao contrário, acredita que os objetos de conhecimento nos são dados como tais, e não pela função mediadora do co­nhecimento (e apenas por ela). A primeira forma de dog­matismo diz respeito ao conhecimento teórico; as duas últimas, ao conhecimento dos valores. O dogmatismo éti­co lida com o conhecimento moral; o religioso, com o conhecimento religioso. As reflexões epistemológicas estão, de modo geral, afastadas do pensamento dos pré-socráticos (os filósofos jônios da natureza, os eleatas, Heráclito, os pitagóricos). Dogmatismo, para eles, é fazer metafí­sica sem ter antes examinado a capacidade da razão hu­mana.
     O conhecimento como apreensão efetiva do objeto seria, segundo ele, impossível. Se se referir ape­nas ao conhecimento metafísico, falaremos de ceticismo metafísico. Com respeito ao campo dos valores, distin­guimos o ceticismo ético do ceticismo religioso. Finalmente, cabe distinguir ainda o ceticismo metódico do sistemático. A apreensão do objeto é vedada à consciência cognoscente. Não há conhecimento. Isso repre­senta uma negação das leis lógicas do pensamento, em especial do princípio de contradição. Como não há juízo ou conhecimento verdadeiro, Pirro recomenda a suspensão do juízo, aepokhé. Um conhecimento no sentido estrito, segundo eles, é impossível. O ceticismo também pode ser encontrado na filoso­fia moderna. No filósofo francês Montaigne (1592), deparamos com um ceticismo, sobretudo ético; em Hume, com um ceticismo metafísico. Em Bayletampouco encontraremos um ceticismo no sentido de Pirro, mas, no máximo, no sentido do ceticismo médio. Também aqui, porém, há um co­nhecimento sendo expresso, a saber, o conhecimento de que é duvidoso que haja conhecimento. A aspiração ao conhecimento da verdade é, do ponto de vista do ceticis­mo estrito, desprovida de sentido e de valor. Nossa cons­ciência ética dos valores, porém, protesta contra essa con­cepção. Não podemos afirmar o mesmo do ceticismo especial. O ceticismo metafísico, que nega a possibilidade do conhecimento do supra-sensível, pode ser falso, mas não contém nenhuma contradi­ção interna. Na história da filosofia, o ceticismo aparece como an­típoda ao dogmatismo.



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